As regras da economia
As regras da economia, da política e das relações entre elas têm vindo a evoluir nas últimas décadas de forma perigosa. Os cidadãos e povos têm progressivamente vindo a ser colocados ao serviço das classes que usufruem das vantagens desta economia e dos seus membros que se encantam com os poderes e luxos que os seus estatutos conferem. De um lado a precariedade dos que fazem o papel de figurantes mal pagos num filme que é sempre dos outros. Do outro lado o conjunto de proprietários, quadros superiores, gestores e políticos que ditam as regras de funcionamento e os salários, detendo ainda os órgãos de condicionamento informativo. Têm como aliados conscientes diversos exércitos bem pagos de “jornalistas”, comentadores e políticos. Como aliados ingénuos um enorme número de cidadãos que passarão toda a sua vida a aspirar serem ricos, poderosos, conhecidos, etc., morrendo sem dar-se conta de que tal era muito improvável. Afirmam que a culpa foi de outros, como sejam os desmancha-prazeres e malcriadões que prefeririam simpatia fundamentada na equidade em vez de elitismo e arrogância com base na prepotência.
Os países e seus cidadãos não podem ser encarados como as quintas de pecuária e a exploração dos seus animais. Os cidadãos não podem ser apenas mão-de-obra/consumidores para fabricar e comprar, enriquecendo terceiros..
As teorias em vigor são descendentes em zig-zag da aliança entre o nazismo e o grande capital. Uniram-se aos outrora liberais e criaram uma nova direita que se convenceu ser “centro-direita” ou “centro-esquerda”. Adivinhando problemas em breve, vão relembrando os perigos dos extremismos sem se darem conta que são eles próprios causa e factores de extremismos político-económicos que nos transportarão a locais históricos muito feios. Estes locais históricos são povoados de aumento do autoritarismo do estado à medida que aumentam protestos culturalmente desorganizados. É o tipo de protestos que decorre de se terem vedado aos povos a compreensão dos fenómenos económicos, políticos e sociais. Tal seria demasiado “marxista”, colocando portanto em perigo a marcha triunfal do mundo regido por estas brilhantes economia e política actuais.
A própria lógica concorrencial do capitalismo actual insuficientemente tutelado cria concentração financeira, concentração económica, concentração tecnológica ao mesmo tempo que cria deserdados desses fenómenos. Os estados são mais influenciados pelos poderes económicos do que pela democracia. Deste modo, as pessoas votam nos políticos que vão executar as regras ditadas pela actual cultura económico-política do capital, tornando-se na prática representantes dos interesses económicos. Enquanto as fusões criam grandes poderes económicos e desemprego, sucede que as sociedades não têm força directa, nem indirecta por intermédio dos seus “representantes políticos”, para dialogar em posição de força com o capital. Como resultado da concorrência empresarial, esta lógica de aumento de concentração e poder económico não pode ser revertida. Estes ingredientes empurram-nos para zonas perigosas.
O aumento das desigualdades entre cidadãos e entre regiões, os perigos ambientais e o crescimento populacional aliam-se à indisponibilidade crescente de água e de energia facilmente transportável e de elevada densidade.
Outros fenómenos internacionais são também potencialmente perigosos, para mais no actual contexto económico-político e ambiental. A concorrência entre regiões do globo, a posse e tomada de posse de fontes energéticas, a diminuição e retirada de direitos a povos e regiões por motivos estratégicos (onde avulta o petróleo) são fontes latentes de conflitos, com nomes tais como “terrorismo”, “invasões”, “direitos humanos”, e outros. Ou seja, termos utilizados pelos que têm maior poder económico, militar e comunicacional, relacionados com a gestão de interesses estratégicos à custa dos direitos de povos e regiões.
Estes actuais desarranjos e perigos surgem no entanto numa época histórica em que se desenham a diminuição relativa do poder dos EUA a par com o aumento do poder relativo da China; uma relativa independentização da Europa e América Latina face às lógicas intervencionistas dos EUA; o potencial ressurgimento da Rússia. São situações de quase-equilíbrio (potencialmente instável) que deveriam ser aproveitadas para o desenvolvimento de doutrinas e práticas políticas e económicas mais saudáveis. Novas doutrinas e práticas que limitem os riscos das alianças entre poderes económicos, políticos e militares.
A regra do crescimento económico e tecnológico sem limitações deveria ser reconsiderada, dado não se conhecerem soluções para os problemas da pobreza (relativa e absoluta local) associada às elevadas taxas de desenvolvimento de parte das empresas e regiões. Parece aconselhável uma diminuição nos ritmos de crescimento da maior parte da economia, população, meios militares e consumos. Poucos ritmos de crescimento elevado seriam bem acolhidos, tais como os relacionados com investigação e produção ligadas ao bem-estar individual e social independentes das modas (bens de saúde, urbanismo, ambiente,...). Naturalmente seriam indispensáveis muitos protocolos tipo Quioto, o fortalecimento da independência e equilíbrio da ONU, o acesso de correntes de opinião aos órgãos de comunicação (não só as correntes ligadas ao negócio-“democracia”). Muita evolução, que requer muita seriedade, imaginação e cooperação, a substituir o gosto pelo poder e pelo bem-estar não distribuídos. Muita programação no entanto mantendo quase intactos os direitos culturais dos povos. Alterações conduzindo à satisfação dos direitos e igualdade dos cidadãos e dos povos, com limitação dos direitos que o poder económico conseguiu impor em desfavor da democracia.
Os perigos eventuais podem ser tão grandes que pode ser necessária uma grande revolução para evitar uma grande catástrofe prolongada.